Mauro Cezar apenas escancarou o jornalismo partidário que existe no Brasil

Não basta conseguir arrecadar mais de quatro mil cestas básicas para serem entregues à famílias que passam por dificuldades durante um dos momentos mais sérios da história recente do planeta. Não basta organizar uma ação social que une caridade e paixão de torcedores. Não basta fazer despertar o sentimento de solidariedade e de quebra levantar a autoestima de uma instituição que ao longo dos últimos anos vinha sendo maltratada pela sua direção, que agora tenta trazer de volta o seu mais valioso patrimônio para junto de si, os seus torcedores. Nada disso vale, se o protagonista não defender as cores que você entende ser a melhor ou a mais conveniente. Pelo menos é assim que parece pensar alguns integrantes da mídia.
O infeliz comentário do colunista Mauro Cezar nesta quarta-feira apenas retrata o nível do jornalismo esportivo no Brasil de hoje. Dizer que a ação criada pelo atacante Fred buscava auto-promoção e que a atitude do zagueiro do Flamengo, Thiago Maia, é que deveria ser exemplo, levanta mais dúvidas do que certezas. Confesso que até tendo a concordar que doações pontuais devem sim ser realizadas de forma anônima. Eu, recolhido a minha insignificância, posso colaborar com determinada entidade e no máximo conseguirei conquistar alguns likes nas redes sociais, caso pense em promover tal atitude. Caso jornalistas de grandes emissoras, por sua vez, pensassem fazer algo semelhante, até poderiam conseguir ter um pouco mais de retorno. Se bem que a ação poderia até gerar certa repulsa, dependendo do profissional. Mas o papel de um ídolo é sim ser um exemplo, se tornar referência dentro e fora dos campos. Tal postura se torna uma "bola de neve" e faz com que essa corrente cresça cada vez mais.
Não cabe a mim, ou a ninguém, determinar qual atitude foi mais merecedora de elogios. Se o Thiago Maia se movimentou pensando única e exclusivamente em ajudar, palmas para ele. Porém isso não faz o que os outros proporcionaram menos importante. Até porque se parar para pensar podemos tirar algumas conclusões bem práticas. Será que se o Fred tivesse feito doações por conta própria, o volume de alimentos seria tão grande? Acho que por mais que o atacante tenha guardado uma boa reserva financeira, ele não teria o mesmo fôlego para reunir tantas cestas básicas. Por outro lado, longe de querer acusar o Thiago Maia de qualquer coisa, levanto o questionamento. Como o colunista do UOL tomou conhecimento dessa doação? De acordo o próprio portal, o secretário de saúde de Roraima, recebeu o material através de um amigo pessoal do atleta e divulgou o momento da entrega dos presentes através da página oficial do governo no Facebook. Opa, não seria isso propaganda política e também pessoal através de um órgão público? Será que o jogador não sabia que essa notícia iria parar nas redes sociais? E mesmo que não soubesse, ao tomar conhecimento, por que não pediu para que a mesma fosse tirada do ar, já que não havia o interesse de promoção?

Por favor, entenda, não estou dizendo que Thiago Maia não deveria deixar que tal notícia fosse transmitida. Isso é uma decisão que cabe única e exclusivamente a ele. Quero apenas comparar a postura de quem levantou uma crítica sem pé nem cabeça, apenas pelo simples prazer de criticar um rival que passou a ganhar destaque recentemente. Que fique claro, quando digo rival, é porque o mencionado profissional não esconde sua preferência clubística e a defende a todo custo em discussões do dia a dia, exceto no caso da tragédia do Ninho do Urubu, até porque essa situação passa de qualquer limite ético.
O mais marcante nesse caso é que essa atitude apenas trouxe à tona uma característica cada vez mais constante no atual jornalismo brasileiro. Por mais que tenha convicção de que Mauro não reprove tanto a atitude do tricolor, acredito que ele faz questão de enaltecer essa crítica com o simples intuito de ficar bem com aqueles seguidores que lhe dão mais audiência. Ok, se essa teoria realmente for verdadeira, trata-se de uma estratégia comercial. O que não acho interessante é querer passar essa postura como isenta e até em alguns momentos representante da justiça.

Acho pouco provável que se hoje Fred estivesse atuando no time da Gávea tal comentário teria sido publicado. Provavelmente o aspecto da superação, engajamento, conquista de novos torcedores para o clube estariam no lide dos textos ao se referir do assunto. Dessa vez a crítica foi muito nítida e direcionada. O grande problema é que na maioria das vezes (e não me refiro apenas ao Mauro Cezar, muito menos aos editoriais esportivos) essa estratégia é costumeiramente utilizada apenas com o intuito de transformar a preferência de quem está digitando como a forma correta e coerente, transformando quem optou por um caminho diferente em um grande vilão. De gota em gota, dia após dia, essas pílulas vão moldando o ideal de quem recebe esse tipo de produto e assim de leitores (telespectadores ou internautas), as pessoas passam a ser simples caixas ocas de reprodução de ideologias.
É importante pensar, analisar e entender a informação que você está recebendo. Mídia isenta jamais existiu, o problema é que muitos que hoje fazem parte dela teimam em querer se vender de tal forma, tanto de um lado quanto do outro.
Você pode ser de esquerda, de direita, Flamenguista, Corintiano ou Tricolor. O que acho não ser aceitável é se vender como o guardião da verdade que defende a isenção total. Parabéns Thiago Maia, sua atitude certamente beneficiará muitas pessoas que precisam de ajuda. Fred, você foi gigante. Além de levar o conforto para milhares de pessoas carentes, ainda trouxe contigo uma legião de engajados que embarcaram na sua magnífica ideia. Além disso, fez sim uma grande ação comercial, que beneficiará o clube que você está defendendo e com isso poderá proporcionar mais condição e tranquilidade aos que dependem dele para sobreviver. Ou será crime pensar dessa forma?